Algoritmos de resolução
Algoritmo é a palavra da moda mas é só um jeitinho bonito de dizer "receitinha de bolo". O importante é sempre termos uma receitinha, um manual, um guia pra resolver as coisas.
Esta não é uma newsletter sobre matemática. Mas hoje eu vou falar de matemática. Pode ser que fale também em outros dias. Não sempre, ninguém aguentaria, eu acho. Uma vez sim, outras vezes não. Hoje é vez sim. Se torceu o nariz, pode ficar tranquila, a matemática é só uma desculpa pra falar sobre preguiça, problemas e soluções.
Mil duzentos e vinte e cinco dividido por cinco
Vou começar lembrando que sou completamente contra armamentos de civis. Sendo assim eu não vou falar sobre armar continha. Comigo é sempre montar continha. Sabe, quando a gente tem uma continha pra fazer e coloca um número embaixo do outro, o sinal do lado, um travessão mais alongado embaixo… então, montar continha.
Obrigatoriamente montando a continha, no papel ou na cabeça, como você faz 1225 dividido por 5?
Meu processo é o seguinte:
reparo que 1 é menor que 5, que está dentro da chave (aquele L deitado). Pego o 12, então.
Coloco ali embaixo da chave o número 2, afinal, 2x5=10;
Coloco ali embaixo do 12 o tal do 10 e faço uma subtração. Sobra 2;
Puxo ali pra baixo, do ladinho do 2, o algarismo seguinte de 1225, o outro 2;
Ok, pra dividir o 22, coloco embaixo da chave o número 4 (4x5=20);
Vai o 20 pra baixo do 22, outra subtração, sobra 2 de novo;
“Desce” o próximo algarismo, 5. Fica então 25 pra dividir;
Na chave, ao lado do 4, coloco o 5 já que 5x5=25;
E aí temos 25-25=0 e está terminada a conta.
E esse é o processo ensinado na maioria das escolas. Dessa forma, 1225 por 5 dá 2
Pois semana passada estava eu dando uma aula e uma aluna ficou indignada que eu comecei com os primeiros algarismos do número, os mais à esquerda. Ela havia aprendido um algarismo de resolução completamente diferente.
Especificamente o que ela fazia era:
Começa com o último algarismo de 1225. 5. Ok, então 1 vai pra baixo da chave;
5-5 é zero. O zero fica ali e do lado dele vem o algarismo que estava antes do 5, o 2. Fica 20;
4x5=20, então vai 4 pro lado do 1, embaixo da chave, e a subtração ali do 20-20 dá zero;
Ao lado desse zero desce o outro algarismo 2. Outro 4 na chave, 20-20 =0;
Então desce o 1, ao lado do zero, fica um 10. Na chave vai 2, 2x5=10;
10 -10 =0 e acabaa conta, sem resto.
Deu pra perceber que nessa doidera aí o resultado seria 1442 que é um absurdo, um número ainda maior que o dividendo! Infelizmente pra ela, na hora de decorar o algoritmo de resolução, ela decorou errado.
Mas é possível fazer essa continha assim, de trás pra frente, e acertar o resultado. Não vou explicar todas as regrinhas, se quiserem saber marquem uma aula comigo [2], mas o raciocínio vem de transformar o numerão em uma soma de números menores, mais fácil de digerir. Eu faço com frequência quando to fazendo continha de cabeça.
1225 pode ser pensado como 1000 + 200 + 20 + 5; E daí basta dividir cada uma dessas partes por cinco e então somar os resultados. Mil por cinco é 200, duzentos por cinco é 40, vinte por cinco é 4 e cinco por cinco é 1. Daí basta fazer 200 + 40 + 4 +1 e temos o resultado correto, 245.
A primeira vez que tive contato com essa técnica foi durante as aulas do meu curso Matemática para Traumatizados [1]. E nesse contexto a pessoa também estava tendo dificuldade para colocar o algoritmo em ordem, fazer sentido dele, conseguir fazer funcionar.
Abraçando a preguiça
A questão é que somos bichos preguiçosos. E eu tenho pra mim que o que me faz uma boa professora é entender isso. Não, não é apenas entender isso, é mais. É entender e viver a preguiça.
Pensar é uma atividade cansativa pra caramba. Meu trabalho é passar quase o dia todo pensando. E quando não estou pensando a trabalho eu estou pensando por entretenimento ou, principalmente, transtorno de ansiedade. Pensar é o que ocupa grande parte do meu tempo e eu posso dizer, com certeza, que dá um trabalhão. E tenho a mesma certeza que você também acha isso.
Todos achamos. Por mais que tenha várias vantagens e alegrias, raciocinar gasta energia, bastante energia. E é por isso que eu sou a favor de aprendermos a matemática por trás dos truques: dá menos trabalho.
Como muita gente trata a matemática como mágica, vou vestir a analogia: reproduzir o espetáculo de um mágico, com excelência, pode até ser possível se você não souber os truques por trás de cada ilusão. Basta comprar uns equipamentos legais, gastar com efeitos especiais, ter criativade de sobra pra achar soluções alternativas. Mas se você souber o truque direitinho, fica muito, muito, mais fácil.
Matemática é o mesmo. Aliás, temo dizer que é o mesmo para qualquer área. Parar de fugir e encarar o conteúdo é, provavelmente, a maneira mais preguiçosa de garantir resultados realmente bons. Pra nossa sorte, é a maneira mais segura e proveitosa também.
E o que a preguiça tem a ver com o algoritmo de resolução ali?
Bem, minha aluna ali citada decorou um algoritmo completamente equivocado para resolver divisões. Provavelmente porque ela queria uma resposta rápida. Provavelmente porque ela precisava de nota e não achou que tinha o tempo disponível, ou a vontade, de aprender de verdade o que tava acontecendo ali.
Esse tipo de problema é comum demais. A pessoa quer uma solução rápida, não entende que o caminho mais preguiçoso ainda exige energia e gasta muito mais energia tentando caminhos alternativos para decorar outras soluções, fazer colas, aprender musiquinhas etc.
Decorar algoritmos de resolução é nosso primeiro passo preguiçoso e meio burro no caminho da matemática. Talvez seja, também, na vida. Porque é claro que eu não tava falando só de matemática aqui.
No fundo a gente tá sempre procurando decorar, sem entender, os algoritmos de resolução da vida. Mas não é assim que ela funciona né. Tá mais que na hora de abraçar a preguiça pra valer. [3]
Notas de não-rodapé
[1] Matemática pra traumatizados é um curso montadinho pra quem tem medo de matemática. Como o nome diz, é pra quem tem trauma mesmo. A idéia é diminuir a ansiedade matemática, dar ferramentas para começar a transitar nesse mundinho de números sem querer morrer. Se tiver algum interesse, fale comigo
[2] Mentira, gente, se quiser saber como fazer a continha ao contrário montando na chave não precisa marcar uma aula não. Pede que quem sabe eu arrumo coragem pra fazer um reels sobre isso na rede de fotos.
[3] Eu tenho certeza que se meu psicólogo achar isso aqui eu to ferrada pq eu sou a mestre em querer atalhos na terapia.
O que eu andei aprontando
Eu to meio afastada, vocês devem ter notado. E vou seguir assim. No momento minhas atividades pagantes são prioridade enquanto dou uma cuidada da saúde. Devo voltar a ter alguma regularidade assim que meu corpinho e minha cabecinha permitirem. Mas eu sigo trabalhando em coisas por aí.
Deixo aqui o link prum programa que é a minha cara: o Hiperconectado sobre Nuvens! A pesquisa é minha e aqui é totalmente nepotismo já que eu indiquei meu orientador para dar entrevista (e a Rachel Albretch que é meu crush acadêmico, oi Rachel me nota!)
Enquanto lia seu texto, lembrei de um conto do Azimov, chamado "A sensação de poder". Nele, os humanos usavam as máquinas para fazer todas as coisas. Quando surgiu alguém calculando com a mente, todos ficaram chocados, rsrs.
Também sou adepta das receitinhas para dar um descanso na mente, mas às vezes temos que sair do tutorial e colocar a mão na massa mesmo.
Parabéns pelo texto!